terça-feira, 20 de novembro de 2012



Artes Africanas
A África é um continente tão vasto quanto um sonho. Ali, onde há um solo de grande diversidade que se destaca mundialmente, contrastam as paisagens naturais do clima, vegetação e geografia, tanto quanto se multiplicam as singularidades humanas no que diz respeito às características étnicas, políticas e culturais. Em geografia, tamanho é documento. Principalmente quando se fala de um território que suscitou tanta cobiça por suas riquezas e foi tão “eurocentricamente” minimizado em sua grandeza em nome de uma exploração estritamente econômica que tomou por eufemismo a bandeira da “civilização”. A arte africana igualmente tem um gigantismo que lhe é próprio. Sua vastidão atinge múltiplos sentidos, observações e significados. Estar diante de objetos de artes da África impõem-nos muita curiosidade, mas sobretudo respeito. Basicamente, têm se ressaltado dois níveis de leitura das obras: por um lado pode-se fazer uma observação do aspecto cultural, que é a análise do contexto em que a obra foi produzida, a visão de mundo (cosmogonia) do povo que a realizou, suas características etnológicas, antropológicas, históricas e assim por diante, por outro, pode-se fazer uma observação dos seus aspectos artísticos, sua singularidade estética e visual e sua compreensão das noções do belo e suas regras internas de composição e estilo, etc. O próprio termo “arte africana”, calcado aqui no singular, acaba por restringir a produção artística e tecnológica de milhares de grupos africanos. A utilização do termo plural as “artes africanas” refere-se, portanto, à diversidade de produção tradicional da cultura material dos grupos saarianos e subsaarianos que datam de vasto período que vai desde o séc. V a.C. até o período colonial e pós-colonial, e também de meados do séc. XX aos dias atuais.
Do ponto de vista estritamente artístico, genericamente, destacam-se nas artes africanas representadas pelas esculturas os códigos visuais da atitude, do gestual, da serenidade, do simbólico, etc... Sua composição estética revela os padrões estilísticos milenares nos quais a figura é representada por vezes de forma abstrata, com um jogo criativo entre simetria e assimetria e a presença sempre constante da frontalidade e rigor formal. O “belo” e o “feio”, entendidos como vereditos invariáveis, não fazem parte das artes africanas. Muitas vezes, uma estatueta, uma máscara, peças consideradas “feias” para alguns tem seu grau de “beleza” ou de “feiura” avaliados pelo seu grau de efetivação, isto é, quanto mais a peça conseguir cumprir o papel para o qual ela foi produzida, maior será o grau de sua beleza, independentemente do seu aspecto exterior. Destacam-se aqui, os relicários do povo Kota, sendo espécies de guardiões das ossadas ancestrais, geralmente produzidos em madeira e ornamentados com uma película de cobre ou de latão. Mas também se destacam alguns tipos de tecidos e joias que, inseridos numa perspectiva econômica, eram usados como vestimenta, adorno e moedas de trocas. Além disso, apresentamos uma mostra de peças de variados grupos africanos, como esculturas e máscaras cujas técnicas e funções exprimem, na verdade, a própria diversidade cultural e artística da África. Essa diversidade foi construída a partir de contatos entre diferentes povos africanos e também com outros povos além d´África, como é o caso, por exemplo, da região norte do continente que recebeu ao longo de centenas de anos o fluxo e o refluxo de grupos de comerciantes árabes que deixaram uma marca indelével na língua, nas tradições e também no fazer artístico dos povos africanos com os quais mantiveram contato.
A arte africana contemporânea retoma e também renova suas tradições formais. Já no outro lado do Atlântico, as artes das Américas refletiram à sua própria maneira esse mesmo gesto de influências múltiplas. As bandeiras rituais do Haiti, por exemplo, também reverberam o impulso para a síntese formal por meio das imagens e símbolos de um vodu sincretizado. Inúmeros são os artistas contemporâneos que evocam o prazer dessa ancestralidade. Somente para citar alguns dos nomes mais notáveis, temos o gravador Hélio de Oliveira (1929-1962), com uma produção que é composta entre outros temas, por um conjunto de xilogravuras cujas temáticas estão relacionadas ao universo do candomblé: as representações de espaços sagrados onde se depositam os objetos rituais relacionados aos orixás (pejis) e a figuração artística de iaôs (iniciados consagrados às divindades do candomblé); são estes exemplos de como o imaginário afro-brasileiro povoou o fazer artístico deste importante gravador. E se manifesta ainda outro brasileiro, também baiano, Rubem Valentim (1922-1991), um dos artistas de contexto afro-brasileiro mais famosos no âmbito nacional e internacional. Sua obra, cheia de símbolos, abre espaço para múltiplas aparições de significado. Suas gravuras e esculturas trazem representações de caráter concretista de símbolos da religiosidade afro-brasileira, tendo sido o próprio artista, um praticante do candomblé. Por fim, um português, José de Guimarães (1939), comovido com o alto grau de significação das formas e da carga mítica das artes africanas, como fizeram antes Picasso, Braque e outros modernistas, busca na capacidade sintética das artes africanas os modelos para suas próprias criações e recriações artísticas. Esses universos são entrecruzados, e assim, a África se amplia nestes desdobramentos alargando o sentido ainda mais plural e o abraço acolhedor à todos os seus “filhos” que para às “Áfricas” espiritualmente retornaram.
Núcleo de Pesquisa/2012

fonte: www.museuafrobrasil.org.br/

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