8 jeitos de entender o mundo no feminino
1 Nem toda palavra flexiona o gênero.
Algumas palavras têm formas masculinas e femininas. Outras,
não. Nos casos em que existem as duas formas, poder-se tratar o fenômeno como
flexão, embora alguns tratem como derivação. Por exemplo, “menina” é a forma
feminina (derivação) de “menino”. Mas “tecla” não tem correspondente masculino e
“teclado” não tem correspondente feminino.
Em diversos casos, há alguns tipos de correspondência entre
palavras e coisas: por exemplo, existem, no mundo, meninos e meninas, e a
língua tem formas que designam cada grupo ou cada membro do grupo.
2 Diferentes, mas não
derivados.
Há caso em que a correspondência entre seres do mundo e palavras masculinas e femininas não é
representada na gramática. Homem/Mulher,
boi/vaca, cavalo/égua , cachorro/cadela são alguns exemplos: as palavras
femininas de cada dessas duplas referem-se a seres femininos, mas não são
derivações da formas masculinas são
completamente diferentes delas.
3 Sem gênero oposto.
Nem todas as palavras masculinas e femininas têm correlatos
machos e fêmeas – elas constituem, na realidade uma minoria. Basta considerar
palavras como muro, tijolo (masculinas) e porta, chave (femininas), entre
milhares de outras, em especial as ditas abstratas, como pensamento e intuição.
4 O peso da realidade.
A existência (a ocorrência) ou não de femininas de base
gramatical, derivados de palavras masculinas, é, em muitos casos, efeito
(embora não uniforme), de alguma correspondência de fatos da língua como fatos
do mundo. Por exemplo, não haveria a forma parenta se só houvesse parentes
masculinos. Por outro lado, o fato de haver algum tipo de distinção no mundo
não cria formas gramaticais correspondentes. Emprega-se parenta, mas não
tenenta - embora já existem mulheres
tenentes. O mesmo vale para sargenta. Os
fenômenos gramaticais relativos ao léxico são bastantes irregulares.
5 Origem esquecida.
Há femininos que resultam de derivação, mas sua origem é
esquecida. Horta é o feminino de horto (Matoso Câmara pensa que sim, Bechara
também, mas o dicionário Houaiss não registra): horta é um tipo de horto, assim
como jarra é um tipo de jarro e um tipo de barco. Observe-se que não há, nesse
caso, nenhuma relação entre gênero e sexo.
6 Mudança no radical
Muitos femininos diferem do masculino só em sua desinência (em-a , na maior parte).
Mas um pequeno grupo de palavras femininas (e de plurais) é marcado pela
mudança da vogal do radical: horto/horta, porco/porca, sogro/sogra (sogro/sógra
etc.)
7O peso do contexto
A questão gramatical do gênero pode tornar-se socialmente
relevante em certas épocas, vir a ser objeto
de debate por motivos culturais, políticos, ideológicos. Esse movimento
faz com que ocorram construções que não ocorram construções que não ocorriam ou
se generalizem construções pouco usadas.
É por motivos ideológicos (valorização do feminino) que
muitos iniciam suas falas com” Boa noite a todos e a todas “, Brasileiros e Brasileiras” etc.
É também por fundo ideológico similar, e militante, que permitiu que fizesse a defesa explicita
de forma “presidenta”. E também por
ideologia que surgiu discurso contrário, defendendo que tal forma não é
necessária ou inexiste na língua (!) – apesar do registro de dicionários
sisudos.
8 Na sintaxe
Gênero não diz respeito só a palavras, mas atinge o domínio da sintaxe. Há
estudiosos que defendem que a maior garantia
de que uma palavra é masculina é ser
precedida do artigo ö”(e feminina, se” ä”). Poucas palavras são precedidas ora
por um ora por outro artigo, conforme o grupo de falantes: o/a guaraná, o/a
alface etc ,. Na maioria, nenhuma variação é observada. Por isso, esta é
garantia até mais solida do que o sexo (“criança” pode ser menino ou menina,
“leão pode ser leão ou leoa etc) ou outro traço de ser. O que mostra que o gênero
é questão interna da língua, é arbitrário.
Problema surge ao explicar a concordância de predicados com sujeitos. Como explicar “navegar é preciso”, se “navegar” é
oração? Deve-se defender que é masculina? Ou enganar o ouvinte, abandonando o
fato objetivo, substituindo “navegar” por
“ navegação “ e assim explicar o
feminino? E como explicar “hoje faz frio” (e não “fria”), se a oração não tem
sujeito, nem oracional ? Talvez se deva aceitar a hipótese de que o português
marca morfologicamente só o feminino. Mesmo finais em o (menino) tese de
Mattoso Câmara, Bechara e John Martin, mas só vogal temática.
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