domingo, 28 de agosto de 2011
O galã do cemitério
Foi uma notícia terrível, de cortar o coração. O querido Zé, que trabalhou anos e anos naquela empresa, de uma hora para outra, bateu com as botas. Deixou o velho e amigo camarada, o Severino, um sujeito baixinho, cabelos grisalhos, solteirão convicto, metido a galã. Andava sempre com um pente no bolso da camisa. O tal objeto era um acessório indispensável, pois tinha pavor de que seus cabelos ficassem em desalinho, e se de repente pintasse um broto? Não, ele não podia descuidar.
Quando recebeu a notícia da morte do amigo, foi como se um raio caísse em sua cabeça, até pensou em se jogar de um viaduto, tamanha foi a sua dor, porém se conteve “a vida continua.” – pensou.
E naquela manhã de um calor insuportável, ele foi para casa e escolheu o melhor terno, usou uma loção de uma fragrância muito forte, queria ficar bem perfumado. O amigo que desculpasse, mas mesmo sendo numa ocasião como aquela, não podia descuidar da aparência, afinal e se de repente aparecesse o grande amor de sua vida? - dizia ele com seus botões, enquanto se ajeitava no espelho.
Com muito pesar se dirigiu para o velório do amigo. Quando lá chegou, rapidamente passou o olhar pelo recinto, como um gavião procurando sua presa, no entanto só encontrou os amigos da empresa e o velho amigo ali estendido. A comoção era geral, todos gostavam demais do Zé.
Depois que fizeram a última homenagem, todos se dirigiram para o local do sepultamento, Severino ia cabisbaixo, amparado por alguns amigos, para ele era um momento muito difícil de aceitar. E antes do corpo descer a sepultura, um último adeus, todos poderiam jogar um punhado de terra na cova rasa.
O amigo como que num ritual, antes de executar o pequeno gesto, mais do que depressa pegou seu pente e arrumou os cabelos, e só então depois, pegou o punhado de terra, porém o que ele nem imaginava que poderia acontecer, acabou acontecendo. Ao arremessar a terra seu corpo foi junto e ele caiu dentro da cova. Severino ficou tão apavorado que começou a gritar por socorro e a dizer que era muito jovem ainda, e que não queria morrer antes de encontrar seu grande amor. Os amigos mais do que depressa o tiraram dali, ele estava pálido, tremia feito vara verde e ainda por cima gritava de dor, pois havia fraturado a clavícula. E para seu desespero todos caíram numa tremenda gargalhada, afinal, não tinha como não rir daquela cena tão pitoresca. Logo após o enterro, Severino foi socorrido num hospital próximo dali, teve que ficar seis meses afastado do trabalho, porém o acontecimento já tinha se tornado motivo de piada na empresa.
Mas enfim a vida tinha que seguir seu rumo, quando ele voltou ao trabalho, ainda um tanto sem graça pelo vexame daquele dia, foi recebido por todos como o galã do cemitério.
Mora Alves
Histórias que o povo conta
www.moraalves.com
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