segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Lei de Cotas: Estado precisa atuar na inclusão de deficientes.

*Ricardo Pereira de Freitas Guimarães


A inserção do portador de deficiência no mundo do trabalho é sempre tarefa muito difícil, sobretudo pela carga emocional envolvida – muitas vezes inseparável do campo técnico da questão. Contudo, o quadro tem merecido amplo debate no mundo jurídico, sempre com o objetivo de encontrar a melhor forma de aplicação do conjunto normativo, atendendo os anseios da inclusão social do portador de necessidades especiais.
A Lei de Cotas, n° 8.213/1991, que obriga as empresas com cem ou mais empregados a preencher de 2% a 5% dos seus cargos com portadores de deficiência, completou 20 anos no último dia 24 de julho. Mas não há muito o que comemorar. Nem pelo lado das empresas, nem dos possíveis empregados.
A inclusão, no mundo do trabalho, do portador de necessidades especiais; a simples inclusão pela inclusão, teria como resultado a total exclusão. Ou seja, a interpretação preponderante que se tem dado às previsões legais quanto à inclusão do portador de necessidades especiais, tem sido objeto da pior das exclusões. Isto é, o simples cumprimento de cotas pela iniciativa privada. Essa inclusão é realizada sem a preocupação adequada, por parte do Estado, quanto à adequação (habilitação e reabilitação) do deficiente ao exercício da função e ao novo mundo do trabalho.
Entre os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil encontramos a defesa da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho. Ambos ratificados na Constituição Federal como “princípios fundamentais”. E nesses princípios fundamentais está também a inclusão do portador de necessidades especiais no mercado de trabalho. Isso porque o trabalho é livre, desde que atendidas as qualificações profissionais que a lei estabeleça, ou seja, a própria liberdade de trabalhar pode encontrar limites na qualificação da pessoa.
As previsões normativas sobre o tema no Brasil revelam que à inserção do deficiente será veiculada com o preenchimento de requisitos, obrigatoriamente na seguinte sequência: 1) Habilitação ou reabilitação profissional realizada pela Previdência Social (artigo 92 da lei 8.231/91); 2) Emissão de certificado pela Previdência Social para a função que o reabilitado tem possibilidade de exercer (também constante no artigo 92); 3) Inserção, pela empresa privada, de referidos empregados deficientes com obrigatoriedade do cumprimento de cotas (artigo 93) no mercado de trabalho de pessoas habilitadas ou reabilitadas pelo INSS (artigo 93).
O texto legal específico sobre o tema parece ser claro, quanto à necessidade de comprovação do órgão previdenciário, sobre a reabilitação ou habilitação de deficientes para posterior cobrança à iniciativa privada. Ora, se o Estado não é capaz, não obstante seus esforços - que aqui devem ser reconhecidos -, de propiciar a reabilitação ou habilitação dos deficientes, como permitir a aplicação de multas às empresas que tem tentado suprir a própria deficiência do Estado?
É evidente a necessidade de uma postura ativa do Estado, denominada na doutrina como Ação Afirmativa, como preleciona Joaquim. B. Barbosa Gomes: “Você não pega uma pessoa que durante anos esteve acorrentada e a libera, e a coloca na linha de partida de uma corrida e diz: “você está livre para competir com todos os outros”, e ainda acredita, legitimamente, que foi totalmente justo. Assim, não é suficiente apenas abrir os portões da oportunidade; todos os nossos cidadãos devem ter a capacidade de atravessar esses portões”.
Porém, a iniciativa privada, também submetida aos princípios constitucionais, precisa cumprir sua função na inserção do deficiente. Essa função social vai, na forma da lei, desde a contratação, remuneração até a garantia de emprego dos deficientes após sua contratação, salvo a substituição do portador de necessidades especiais por outro, o que não parece ser pouco.
A iniciativa privada contribui dessa forma com a garantia da renda do portador de necessidades especiais mediante a contraprestação dos serviços e aquecendo a economia, o que garante sua integração no campo do trabalho. Além disso, uma eventual dispensa sem justa causa dever ser precedida de contratação de outro portador de necessidades especiais, sob pena de manutenção no emprego.
Parece assim à empresa que cumpre além do objetivo constante no seu contrato ou estatuto social – cujo objetivo, na maioria dos casos, é o lucro. E que viabiliza a inclusão social do deficiente físico através da contratação. Na maioria das vezes cumprindo a própria função do Estado, qualificando e treinando o deficiente, por meio de uma postura ativa. Assim, a aplicação de sanção às empresas que não conseguem cumprir a cota, embora demonstrem inequivocamente a tentativa, se revela inconstitucional.
Talvez fosse interessante observar a postura, quanto à inclusão de deficientes, de outros países, como Espanha, França e Alemanha. Na Alemanha existem incentivos especiais para a contratação, contribuição para um fundo destinado à habilitação e reabilitação, assim como incentivos fiscais para as empresas que cumpram cotas. Na Espanha, há incentivos fiscais e subsídios para o cumprimento das cotas. E se destaca a existência de agências oficiais de empregos, sendo permitido às empresas o não cumprimento de cotas, desde que não haja mão de obra disponível. Isso parece bem adequado à realidade brasileira.
Independente da fórmula a ser seguida, o importante é reconhecer que o objetivo de cumprimento de cotas é de toda a sociedade. Mas o regime de cotas, isoladamente, não resolve hoje e não resolverá no futuro o problema da inclusão do deficiente. Tornar-se-ia, assim, perpétua a posição hoje adotada pelos principais atores: de um lado o Estado que cobra o cumprimento de cotas e de outro lado a empresa, sustentando a inviabilidade do cumprimento. Enquanto isso o deficiente continua a ser um “pseudo inserido” no mundo do trabalho. Realmente só uma ação afirmativa orientada pelo Estado pode mudar esse cenário.

* Ricardo Pereira de Freitas Guimarães é advogado, mestre e doutorando em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), professor de Direito e Processo do Trabalho da PUC-SP (COGEAE) e sócio do escritório Freitas Guimarães Advogados Associados.

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