domingo, 27 de fevereiro de 2011

A geração sem causa- um artigo de opinião




Assistia ontem o filme brasileiro Cama de gato, de 2002 e voltei a pensar no que se deu da geração pós-anos 90. Os filhos de Cazuza mataram o movimento estudantil, ou pelo menos o viram morrer na praia sem oferecer primeiros socorros. A classe média escolarizada esquerdista e pacifista mas disposta a morrer pela democracia, agora agoniza um ostracismo político e moral que (penso eu na pequeneza de minhas idéias) é a resposta para uma geração sem causa, e explicarei a premissa. A geração pós-ditadura e mergulhada em bits e bytes, geração conectada, tem as necessidadas mais básicas atendidas sem afronta. O Estado não mais reprime sua classe (a repressão sobrou para os pobres), os novos livros de psicologia ensinam aos pais que jamais reprimam as vontades de seus filhos também, e assim todo desejo pode ser facilmente saciado, ao click de um "enter". O imediatismo povoa tanto o comportamento atual, que eu mesma tive de juntar forças para expressar esse pensamento em texto, invés de correr para o Twitter e o resumir em 140 caracteres, assim sendo lido mais rápido e tendo minha necessidade cessada também rapidamente. Exemplos não faltam de que a jovem classe média está entediada com tudo que tem e de que já não tem causa pra defender. Alexandre Stockler, diretor de Cama de gato, sabia bem do que estou falando. Tornou evidente o propósito de seu filme quando seus personagens fazem referência aos jovens ricos que incendiaram um índio por pura diversão. Não estamos falando aqui de vingança pessoal, de assassinato contratado, de assalto ou mesmo de perversão psicológica. EStamos falando do comportamento de um grupo inteiro de jovens, que na falta do que fazer, divertem-se em assassinar cruelmente um morador de rua. A violência contra outro prescinde da delimitação de um inimigo, ou inimigo comum. Os skin heads batem em gays por acreditarem que sua existência é nociva. Assim também foi com a ku klux klan e os negros. E mesmo na guerra existia um inimigo ou uma causa para a violência: a dominação do território. A partir do momento que essa classe média jovem semea violência gratuita temos ai um fato novo. Quem é o inimigo comum? Sequer existe um inimigo? Ou seria essa mais uma ramificação do imediatismo? Era preciso promover uma diversão tamanha naquele exato momento , que superasse o ostracismo, que suparasse tudo que eles já possuem (bebidas, drogas, carro, festas). Um ser humano em chamas é algo chocante, algo que os catapultou da mesmice e trouxe algum sentimento (o de repugnância, o teatro da dor) para aquele momento da noite. Será a reposta tão simples assim?
A geração sem causa é incrédula. Seu ceticismo fez com que se tornasse comum dizer que "não há políticos bons" e se "tudo está assim mesmo, por que votar?". O ceticismo é perigoso quando ele permite a falta de compaixão, a ponto da morte de outro ser humano se tornar rotineira para nós e não tirar o sono dos assassinos. O ceticismo de que falo não é a falta de fé nos deuses. Esses sempre foram fruto apenas de nosso medo da morte e necessidade do pulso firme de uma autoridade impiedosa, quando tomar os próprios freios de nossas vidas exige coragem que não desenvolvemos. O ceticismo de que falo aqui é a in-ação. A falta de ação para mudar qualquer que seja o quadro: político, educacional ou ético-moral. Essa geração não está interessada em se movimentar para eleger deputados federais ou presidentes de classe. Sua energia política foi sugada por um tubo digestivo de idéias, em inglês: FREE MARKET. E essa idéia, como a anterior, também não é nova. Foi também mencionada no filme de Stockler. Quem ouviu os comentários sobre globalização e achou que era conversinha do personagem nerd do filme, foi inocente. O mercado livre, a transnacionalização e o super-lucro venderam nossas almas a preço de um chaveiro made in China. Quando o abismo de distruibuição de renda aumenta e a imprensa só existe para vender produtos e não revoluções, a vida humana se torna produto também. Qual a rentabilidade do produto morador de rua? Ele vale mais ou menos do que o IMAC do jovem que o incendiará? Se a Amazônia tem preço, porque vidas não teriam? A sociedade de consumo não quer a cura para a AIDs, quer o AZT. A classe média meus caros, quer a diversão a todo custo, imediatamente e com novidades. Já não serve o celular ou video-game de ontem. É preciso mais e mais para alimentar o monstro. Um CEO de transnacional ganha hoje 30x mais do que ganhava na década de 80. Assim, já não serve mais bater no inimigo de escola, é preciso assassiná-lo violentamente. A revolução da nossa geração é o produto, é o tênis mais novo da Nike. No caminho que esse barco segue, não consigo pensar em outra solução a não ser aquela velha, já noticiada por Raul Seixas. "A solução é alugar o Brasil".

Lídia Freitas

Um comentário:

  1. Costumo dizer que desde anos 80, nada mais se cria, o que se salva é muito pouco.
    E justamente após o fim da repressão, após o ganho do direito de liberdade e expressão.
    O que se criou foi um monte de amebas, e concordo plenamente que a globalização e o imediatismo é fator relevante para que não se tenha foco ou perspectivas...
    Maravilha de texto!

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