sábado, 21 de abril de 2012


A Pinacoteca do Estado de São Paulo,
instituição da Secretaria da Cultura, apresenta primeira exposição retrospectiva
de Lygia Pape - um dos principais nomes da arte brasileira contemporânea junto
com Hélio Oiticica e Lygia Clark, aos quais a artista tinha uma forte
ligação. Espaço Imantado reúne cerca de 200 obras, entre pinturas, relevos,
xilogravuras, ações performáticas – mostradas por meio de objetos, vídeos e
fotografias –, produção cinematográfica, cartazes de filmes, poemas, colagens e
documentos.
A mostra exibe suas peças mais conhecidas, como Tecelares (1957) e
Livros, e outras experiências menos difundidas, como os Ballets Neoconcretos e
sua produção cinematográfica, mais precisamente, a seleção de filmes
experimentais que será exibida pela primeira vez em conjunto. Além disso, também
serão apresentadas obras de experiências coletivas que sobreviveram por meio de
documentos visuais. As Ttéias, instalações realizadas com fios prateados,
dourados ou transparentes, que farão o espectador submergir em um espaço
dominado pela luz e pela abstração poética estarão no centro da
mostra.Para entender a trajetória de Lygia Pape é necessário conhecer o
contexto artístico e político do Brasil da segunda metade do século XX. Nos anos
50, o País passou por um processo de modernização, vivenciando iniciativas
inovadoras na literatura, arquitetura e no urbanismo.
Na arte, esse processo levou à abertura dos Museus de Arte Moderna em São Paulo e no Rio de Janeiro,
além do início da Bienal de São Paulo, entre outros acontecimentos. O percurso
de Espaço Imantado revisa o papel protagonista de Lygia Pape nesta modernização,
com sua participação em duas correntes não figurativas. Primeiro, participando
do Grupo Frente, que defendia a linguagem geométrica como um campo aberto à
experimentação; depois, na fundação do neoconcretismo, que propiciava uma
participação cada vez mais ativa do espectador na obra, dando um passo decisivo
na integração da arte com a vida.Da fase inicial à madura.
Concretismo e Grupo FrenteA fase inicial de Lygia Pape foi
resgatada para esta mostra por meio de quatro telas realizadas na linha da
abstração de tendência orgânica, passando depois à abstração geométrica por meio
de uma série de pinturas e relevos feita pela artista quando já formava parte do
Grupo Frente.
Tratam-se das pinturas denominadas Jogos Vectorais, realizadas
entre 1953 e 1955, que consistem em telas que apresentam um jogo dinâmico entre
linhas e quadrados, e dos relevos Jogos Matemáticos que, baseados na repetição
de formas regulares, brincam com o negativo e o positivo, com a cor e a
profundidade. Em 1955, Pape começa a trabalhar com a xilogravura, uma
técnica que lhe serve de meio de exploração para obter as evidências mais
avançados da época. Um exemplo disso é a série Tecelares, um conjunto
excepcional com o qual inicia a sua fase madura, evoluindo em complexidade
espacial e técnica, e forma um corpus sólido que será objeto de reelaboração
constante ao longo de sua carreira. Os Tecelares foram apresentados nas quatro
exposições realizadas pelo Grupo Frente entre 1954 e 1956, e na histórica
Exposição Nacional de Arte Concreta (que teve lugar primeiro no MAM de São
Paulo, em 1956, e depois no MAM do Rio de Janeiro, em 1957). Em um primeiro
momento, predominam os Tecelares claros, realizados pela incisão de sutis linhas
na madeira, mas, com o passar do tempo, vão escurecendo por meio da utilização
de superfícies pretas mais amplas que deixam entrever as características do
material. Para a artista, a série representa a primeira tentativa satisfatória
de distinção entre fundo e forma, aspecto determinante na criação de um espaço
qualificado por Pape como “desdobrado, invertido, ambivalente”. O espaço como
elemento visual e semântico tem sua prolongação nos Desenhos (1957-1959), onde a
trama às vezes se interrompe para projetar formas geométricas ligeiramente
deslocadas ou em negativo. Realizados em sua maioria em tinta sobre papel
japonês, a artista consegue uma leveza que nos remete às gravuras japonesas.
Neoconcretismo. Ballets, Poemas e Livros.
Em 1959, junto com Hélio Oiticica e Lygia Clark, Pape abandona o Grupo Frente e
inicia um dos movimentos mais significativos da arte brasileira, o neoconcreto,
que lhes permitem desenvolver obras de arte a serem incluídas na vida cotidiana.
Neste contexto, os Ballets Neoconcretos I e II, são lançados. Ambas as obras são
apresentadas na exposição por meio da recriação do Ballets I e de vídeos de
ambos. O primeiro traduzia visual e musicalmente um poema com o movimento de
formas geométricas impulsionadas por bailarinos escondidos em seu interior. O
segundo traçava o percurso frontal de dois planos que se aproximavam e
distanciavam na escuridão até atingir a máxima ambivalência entre fundo e
figura. Fruto da colaboração de Lygia Pape com o poeta Reinaldo Jardim e o
bailarino Gilberto Motta, os Ballets incorporam o tempo subjetivo à obra de
arte, um aspecto chave do neoconcretismo, que preludia a participação do
espectador ao diminuir a distância entre a obra de arte e a vida.Pape
compartilha muitos comportamentos com os principais poetas e teóricos do
momento, mas em alguns casos não se iguala a seus contemporâneos. Nesse sentido,
foi a primeira dos neoconcretistas a aplicar o mesmo princípio artístico que
acabamos de citar, a sua criação poética: a participação do leitor na construção
do livro. Em uma de suas últimas declarações, resume toda a sua prática
artística: “quero trabalhar intensamente em um estado poético. Estou em busca do
poema”.
O ponto de partida para esta atitude foram os Poemas luz e os Poemas
objeto (realizados entre 1956 e 1957). Estes correspondem ao antecedente direto
do Livro da criação (1959-60), um origami poético no qual não faz uso da
palavra, mas constrói uma narrativa por meio da imagem. Em suas 14 páginas ou
“unidades”, a artista utiliza formas e cores, criando diagramas tridimensionais
montáveis e desmontáveis que podem ser desdobrados pelo espectador, e que narram
a criação do mundo. O Livro da Arquitetura (1959-60) retoma o ato
performático. Neste caso, explora a criação de espaços para habitar o mundo e o
significado das formas arquitetônicas. Diferentemente do que acontece na obra
anterior, nesta o espectador pode realizar a leitura em sentido inverso,
desmontando a forma e, se quiser, voltando ao estado plano do objeto.
Finalmente, o Livro do Tempo (1961-1965) é uma grande tela geométrica
constituída por 365 unidades de madeira pintada, equivalentes aos dias do ano.
Atividade cinematográfica.
Cinema Novo A ruptura do grupo neoconcreto, em 1963, marcou um ponto de inflexão na trajetória de Lygia Pape, que se lança no meio cinematográfico para dar início a sua
atividade como cineasta e às suas colaborações com o Cinema Novo. Desta forma
são reunidos na exposição, pela primeira vez, quase uma dezena de filmes
realizados entre 1967 e 1976. Seu primeiro filme, La Nouvelle Creation (1967),
rodado em 35 mm, manipula imagens pré-existentes da NASA para sugerir o
nascimento de um homem novo, procedimento ao qual recorrerá novamente em Our
Parents “Fossilis” (1974), uma colagem de retratos da população indígena
extraídos de cartões postais. A atração por esta temática e pela cultura popular
é evidenciada nos filmes A mão do Povo e Carnival in Rio (1974), mais
relacionados com o documentário, enquanto o espírito do Cinema Novo está muito
presente nos filmes Wampirou (1974), Catiti Catiti (1978) e Arenas Calientes
(1974). Outra questão recorrente na sua cinematografia é a dimensão erótica.
O homem e sua bainha (1968) evoca o espaço como um contínuo ambíguo
interior-exterior, enquanto Eat me (1976) representa o germe de uma obra sobre a
exploração da imagem da mulher na sociedade de consumo.Também estão
presentes na mostra desenhos dos cartazes e dos créditos que fez para os filmes
dos cineastas que integravam o movimento do cinema experimental brasileiro, como
Carlos Diegues, Joaquim Pedro de Andrade e Walter Lima Jr., entre outros para
filmes como Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) de Glauber Rocha e Vidas Secas
(1963) de Nelson Pereira.Nova Objetividade
Brasileira
Em 1964 é instaurada a ditadura militar no Brasil,
mas a vontade de renovação em todos os âmbitos da cultura brasileira não
diminui. Neste contexto, surge o tropicalismo, cujo nome deriva da obra
Tropicália (1967) de Hélio Oiticica, realizada por ocasião da mostra Nova
Objetividade Brasileira. A Nova Objetividade marcou o retorno de Lygia Pape
para as artes plásticas. As suas obras Caixa de baratas (1967) e Caixa de
formigas (1967) não representam apenas uma crítica explícita à arte mumificada
dos museus, mas também à condição marginal da população e à voracidade com a
qual a ditadura se alimenta de suas vítimas.
Trata-se, no primeiro caso, de uma coleção bem escolhida e perfeitamente alinhada de baratas mortas, enquanto a
Caixa de formigas consiste no ir e vir de formigas em cima de um pedaço de carne
crua e com a frase “a gula ou a luxúria”, escrita no fundo da caixa. Em 1968
a atividade de Lygia foi intensa, sugerindo uma volta para a experimentação
sensorial e participativa em consonância com o trabalho realizado por outros
artistas. No contexto da manifestação Apocalipopótese, a artista apresenta a
ação O Ovo (1968), na qual três pessoas saem do interior de três formas cúbicas
após quebrar a casca em um gesto ao mesmo tempo transgressor e libertador. Nesse
mesmo ano conclui Divisor (1968), sua primeira experiência coletiva e uma das
mais importantes da época por sua dimensão sensorial e poética. Nela, os
participantes mostram as suas cabeças pelos buracos de um tecido de grandes
dimensões que os une entre eles e os separa de seus corpos. O caráter lúdico da
experiência transforma o impulso individual em um pretexto para a mobilização
coletiva. Roda dos Prazeres (1968) mostra, do mesmo modo que as duas
experiências citadas, o interesse especial de Lygia pela realização de uma obra
sem autor, que pudesse ser repetida sem que a artista estivesse presente. Assim
será realizada na exposição. Deste modo é provocada uma tomada de consciência
dos sentidos, incitando o público a se servir de umas gotas de água com corante
alimentício de diferentes sabores para tingir a língua de cores distintas. Por
último, Espaços imantados (1968) contém um amplo registro fotográfico de ações
que funcionam como campos magnéticos para a interação social espontânea.
Ttéias As obras conhecidas pelo nome de Ttéia adotam diversas concretizações, de 1977 até o ano 2000. A primeira remonta ao projeto Ttéias-Redes, desenvolvido em 1977 com seus alunos, no Parque Lage.
A série de peças elaborada com os característicos fios admite variantes em função
do espaço (esquina / isolada), do tipo de luz (natural / artificial) e do fio
(cobre / prata / transparente), assim como da estrutura escolhida entre as
diversas projetadas pela artista. Nessas obras encontra-se o segredo para
compreender a progressão gradual de Lygia em direção à total abstração do espaço
poético. Último resultado de suas experiências no construtivismo brasileiro, as
Ttéias são um elo a mais na incorporação do tempo subjetivo e da participação do
espectador na obra de arte. Se trata, de acordo com Pape, de “uma rede onde as
aranhas tecem planos de vida ou morte”. A artistaLygia Pape
(Nova Friburgo, 1927 – Rio de Janeiro, 2004) é considerada uma das principais
artistas brasileiras, pelo grau de experimentação atingido em sua singular
produção e pela constante mutação de suas obras. Iniciou sua carreira alinhada
com o concretismo brasileiro do Grupo Frente. Junto com artistas como Hélio
Oiticica e Lygia Clark, abandona este grupo em 1959 inaugurando a arte
neoconcreta, cujo manifesto é considerado como o início da arte brasileira
contemporânea.
A característica principal da obra de Pape é a integração das
esferas estética, ética e política. Durante a fase neoconcreta realizou uma
investigação sobre o dualismo entre matéria e forma com obras como Ballet
Neoconcreto e Tecelares. Aos poucos, a aproximação de sua obra com a vida
levou-a à inserção da temporalidade e a uma transformação constante dos meios.
Uma conquista importante dos artistas brasileiros como Pape foi o fato de tomar
a abstração europeia como ponto de partida, mas sem fazer desta uma mera versão.
Pelo contrário, enfrentaram-na com uma atitude de rebeldia e respeito, e
aproveitaram a situação local para realizar um discurso internacional. Após
refletir sobre a forma, Pape passou a trabalhar em seus Livros, levando em conta
a luz e os efeitos do olhar do espectador. Esse interesse na percepção da obra
resultou, naturalmente, nas ações performáticas dos anos 60, algumas vezes
baseadas na participação de outro indivíduo, em vídeos sobre os diferentes
olhares sobre um mesmo espaço ou sobre sua influência na sua própria obra. No
final dessa década, quando a repressão política no Brasil é mais forte, realiza
suas caixas como uma crítica ácida aos valores e repertórios das elites e
instituições culturais. Em suas últimas obras voltou a trabalhar sobre o objeto
e a instalação, compreendidos como a representação de sensações, a tentativa de
criar uma manifestação eventual cujo caráter não é permanente e que contém uma
narratividade subjacente. Como descreveu Hélio Oiticica, a obra de Lygia Pape é
uma semente permanentemente aberta.
PalestrasLygia Pape - Espaço Imantado29 de março de 2012
(quinta-feira), às 19hCauê Alves, crítico de arte e professor do
curso de História, Crítica e Curadoria da PUC-SP Taisa Palhares, curadora e
pesquisadora da Pinacoteca de São Paulo 3 de maio de 2012
(quinta-feira), às 19hPaula Pape, presidente do Projeto Lygia
PapePaulo Herkenhoff, curador e crítico de arte
Todas as palestras ocorrerão no Auditório da Pinacoteca Luz,Praça da Luz 2, São
Paulo.
Entrada franca Dança Balé neoconcreto I e II, de Lygia
Pape, com participação da coreógrafa Né Barros 30 de março de 2012
(sexta-feira), às 20h e 31 de março de 2012 (sábado), às 19h
SESC Bom Retiro,
à Alameda Nothmann, 185, São Paulo
Informações e ingressos
telefone (11) 3332-3600

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