Especialistas ouvidos pelo UOL Eleições são unânimes em atribuir ao sistema político brasileiro a enxurrada de candidatos "bizarros" perambulando pelo horário eleitoral obrigatório. "A lista aberta torna a competição por espaço absolutamente selvagem. Tem um microssegundo para aparecer na TV - como você vai fazer? Se eu fosse fazer campanha, falaria alguma coisa engraçada na TV", afirma o cientista político Luciano Dias, do IBEP (Instituto Brasileiro de Ciências Políticas).
Nessa estrutura, o eleitor pode votar em quaisquer dos candidatos de um determinado partido. Na lista fechada, porém, o voto é na legenda: a sigla apresenta uma lista com, por exemplo, 50 integrantes, que vão sendo eleitos em ordem pré-definida à medida que o número de votos atinja o quociente necessário para cada um deles.
"Esse tipo de candidato só existe em lista aberta. Eu sou muito a favor de fechar a lista, porque você não teria mais os exóticos. Outra razão é a pluralidade de partidos", diz David Fleischer, cientista político da UnB (Universidade de Brasília). "Nós temos mais de 1000 candidatos para deputado distrital (no Distrito Federal); a razão candidato vaga é maior que na UnB", afirma.
"No Brasil o partido é muito fraco. O partido não está preocupado com a imagem, está preocupado em eleger deputados", concorda o cientista político Rubens Figueiredo, da USP (Universidade de São Paulo). Em países como Espanha, Uruguai, Alemanha e Itália o sistema vigente é o de lista fechada. "Nesse sistema não há Tiririca", diz Fleischer.
O especialista cita como exemplo a Argentina, onde lista fechada inclui cotas para mulheres. "Numa lista com 10 candidatos, o terceiro, o quinto e o décimo tem de ser mulheres. Então, a priori, pelo menos um terço dos deputados eleitos é feminino", diz. "A lista aberta é muito ruim para as mulheres", afirma.
"Pior que tá não fica"
Embora não seja único, o perfil do palhaço Tiririca simboliza bem esse tipo de candidatura. Recentemente, o ministro da Cultura, Juca Ferreira, afirmou que o humorista "debocha da democracia em seu programa de TV".
Suas aparições no horário eleitoral obrigatório motivaram críticas do promotor eleitoral do Estado de São Paulo, Maurício Antonio Ribeiro Lopes, diversas representações encaminhadas à Procuradoria Regional Eleitoral em São Paulo (PRE-SP) e reações de candidatos rivais na disputa por uma vaga no Legislativo.
"É uma tentativa de ser um candidato exótico. Ao invés de anular o voto, uma parte do eleitorado vota no exótico", afirma Fleischer. "Tiririca vai ser muito identificado com voto de protesto. É uma bizarrice, mas representa alguma coisa em termos de protesto", completa o especialista da USP.
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"Apesar do folclórico, a decisão é racional para todas as partes", afirma Dias, do IBEP. "O dirigente partidário é obrigado a produzir o maior número de votos possíveis, por isso o partido não faz uma triagem muito rígida dos candidatos. O custo de imagem é baixo e de alguma forma atrai votos".
Figueiredo corrobora a avaliação do colega. "O candidato que é muito conhecido pela mídia tem condições de conseguir um número ponderável de votos com um investimento razoavelmente menor que os candidatos tradicionais. É interessante para os partidos ter esse tipo de candidato", diz.
O analista da UnB, por sua vez, joga nova luz sobre o processo. "Outro raciocínio é o de que o sujeito aproveita o espaço para se promover mais na sua área. O Tiririca pode querer se promover mais como humorista", afirma.
Daqui pra frente
"Acho que está havendo um aumento desse tipo de candidato. A política é uma atividade muito difícil. Formar novos quadros é difícil. Os partidos queimam etapas", analisa Dias. "Quanto pode custar a campanha do Tiririca? É muito barato". Apesar da proliferação, a presença dos candidatos "bizarros" nas campanhas não é garantia de sucesso eleitoral - pelo contrário.
"No geral, não funciona. Se você acompanhar os candidatos folclóricos, eles raramente são eleitos", afirma Dias. "É mais provável você se eleger depois de uma carreira na vida pública". "O deboche não é bom para a democracia, para a credibilidade da democracia", afirma Figueiredo. "Por outro lado, você tem nos partidos nanicos uma série de candidatos totalmente inexpressivos. Em geral, é muito baixo (o número de bizarros)", pondera.
Para os especialistas, a situação não deve mudar enquanto o sistema vigente for o de lista aberta. "Liberdade é importante na competição eleitoral em qualquer democracia. Na lista aberta, qualquer um que tem direito político em dia pode se candidatar encontrar um partido que aceite a candidatura", afirma Fleischer.
"Por outro lado, se você botar a lista fechada, só vão entrar os mafiosos do partido, só quem domina a máquina. Você não vai ver o candidato que está na rua", diz o cientista político do IBEP, que não vê maiores contratempos na existência desse tipo de candidato. "É um falso problema. A pergunta é: isso aumenta ou diminui a liberdade do processo eleitoral? Eu acho que não há problema com relação a isso", finaliza.
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