segunda-feira, 28 de março de 2011

Saudosa Maloca

Depois de alguns anos de auto-investigação cheguei a um diagnóstico final. Acredito que sofro de saudosismo patológico, uma condição rara que acomete pacientes com baixa imunidade e altíssimos níveis de imaginação na corrente sanguínea. Desde pequena que venho sentindo falta de um tempo que não vivi. Acomete-me uma tristeza profunda por aqueles velhos tempos da turma reunida no Largo do São Francisco, ouvindo Gil e Caetano, e sonhando planos de derrubar a ditadura. Ah que saudade de ser jovem nos anos 70, embora eu mesminha tenha nascido numa manhã de sábado de 1986, um pouco antes do episódio Césio 137, na maternidade Santa Lúciaem Campinas. Isso me lembra que também me bate um saudosismo doente daqueles tempos de Campinas nos anos 50. As moças de vestido longo enfeitando as calçadas com buchichos e desejos velados. E nos fins de semana ir nadar no Lago das Rosas, com a audácia de quem nem sonha que aqueles são os melhores anos de suas vidas.

Tenho saudade por minha mãe. Imagino-a sentada na porta de casa com 16 anos de idade, lendo “O triste fim de Policarpo Quaresma” e não entendendo absolutamente nada, anedota que ela conta com mais tristeza do que humor. Alguns anos atrás ela insistiu para que eu lesse “Olhai os lírios do campo”, do Erico Veríssimo. Quanta inocência dela. Nós duas sabíamos que eu jamais poderia lê-lo como ela o leu, em meados dos anos 80, com seus cachos castanhos e sapatos de menina pobre, aguardando soarem as trombetas de um futuro brilhante, que jamais existiria.

Em novembro do ano passado tive um ataque súbito da doença. Estava no show do Paul McCartney no Morumbi em SP, e o ex-Beatle anunciou que iria cantar a música “My Love”, feita para sua falecida esposa Linda. Antes mesmo do gentleman terminar a terna dedicatória e atacar o bass, eu já estava de choro pronto como uma criança. Que tristeza que senti pelo Paul. Alguns minutos depois, o ritmo rock’n’roll de outros arranjos me envelou de felicidade e adrenalina novamente, mas até hoje quando ouço “My Love” penso no Paul e sinto saudades de Linda.

Não acredito em cura para a doença. Talvez nem a queira. É bom sentir com outros sentidos. É bom caminhar por ruas de pedra e pegar um bonde com Clarice, se antenar com o universo e captar – quase que em ondas sonoras- o pulso do mundo. A memória coletiva me conforta. Eita saudade que não passa...

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